Alexandre Camacho: da certeza do destino ao exemplo fora da estrada

Data de publicação
09 Setembro 2022
4:00

De capacete colocado e com as mãos no volante, o foco é só um: vencer. Para Alexandre Camacho não há outra forma de viver a vida, nem mesmo quando o carro de rali se encontra na garagem. Ser um exemplo para a filha e para a juventude é o que o continua a mover.

  • Alexandre Camacho: da certeza do destino ao exemplo fora da estrada

O sonho inicialmente não era este: ser pentacampeão do Rali Vinho Madeira. Mas Alexandre Camacho tem a certeza de que o seu destino não poderia ser escrito de outra forma que não, de pé a fundo, pelas curvas e contracurvas das estradas madeirenses, onde no passado mês de agosto fez história.

“O sonho passava talvez pelas pistas. Quando gostamos de karts, é normal sonhar com a Fórmula 1”, recordou à Improvável o piloto madeirense, que não tem parado de acelerar desde os 12 anos, quando começou a conduzir estes pequenos veículos no parque de estacionamento da Escola Horácio Bento de Gouveia, junto à casa dos pais.

No entanto, certo é que, desde então, os grandes feitos e vitórias têm sido conquistados ao volante de carros de rali, a bordo dos quais segue rumo há já 21 anos (e por aqui não vai ficar).

Mas vamos por partes.

De facto, tendo experienciado a velocidade pela primeira vez nos circuitos de karts, nos quais também somou por títulos de campeão regional, a par de participações em competições europeias e mundiais, a carreira de Alexandre Camanho parecia desenhar-se em direção às fórmulas, onde ainda competiu.

Todavia, quis um convite da Toyota (e, diga-se, também o seu coração) que o piloto enveredasse pelo mundo do rali, cujas andanças não lhe eram desconhecidas, dado que acompanhava, já na assistência, o seu pai, que também se aventurou nos ralis madeirenses.

Assim, com o automobilismo a correr-lhe nas veias, a paixão foi inevitável: “Desde o momento em que fiz o meu primeiro rali disse ‘É isto que quero. Não quero saber de pistas para mais nada’, porque o rali é completamente diferente. Nas pistas, todas as voltas são iguais, enquanto na estrada todas as classificativas são diferentes. Essa imprevisibilidade, a natureza, o facto de o rali ser na Madeira e de a Região ser tão marcada pelos ralis, conquistou-me desde início”, asseverou o profissional, que ainda hoje não tem dúvidas de que aquela foi a decisão acertada.

E o cronómetro que o diga: só no Rali Vinho Madeira, prova rainha do automobilismo madeirense, na qual ironicamente Alexandre se estreou em 2001, o campeão já levantou o troféu uma dezena de vezes, tendo subido passo a passo até ao patamar cimeiro do pódio.

Em 2008, 2014 e em 2010 conquistou o terceiro lugar, em 2016 e 2020 ascendeu à segunda posição, sagrando-se campeão absoluto em 2017, 2018, 2019, 2021 e 2022, sendo que, nesta última, a diferença de 11,5 segundos foi quanto bastou para que cravasse o seu nome na história a bordo do seu Skoda Fabia Rally2 Evo, ao tornar-se o piloto que mais edições ganhou nesta competição, superando nomes como Américo Nunes, Andrea Aghini, Giandomenico Basso e Bruno Magalhães. A estas vitórias, Alexandre acrescenta ainda outras nos campeonatos regionais e inclusivamente além-fronteiras, como foi o caso do seu triunfo no European Rally Trophy, no Rali Casinos do Algarve, em 2018.

Ainda assim, olhando para as mais de duas décadas de carreira, é o ‘penta’ inédito que destaca como um dos melhores momentos vividos na modalidade.

“Fazer história neste rali, que é um marco, que já foi considerado o melhor rali de asfalto europeu, onde estiveram a competir muitos anos pilotos estrangeiros e onde as referências eram sempre de fora e nunca de dentro, ser o primeiro a ter cinco vitórias é, sem dúvida, o marco mais importante da minha carreira até agora. A primeira [vitória] obviamente foi especial, mas esta, atendendo à competitividade que existe e a tudo o que se passou durante o rali, acho que foi realmente um marco”, sublinhou o recordista, lamentando, no entanto, a morte de uma menina de oito anos na última classificativa da prova.

“Não pudemos ter a festa que deveríamos. A nível desportivo foi ótimo, mas a nível emocional não foi. Uma vida humana perdeu-se e isso está à frente de qualquer festejo. É sem duvida uma tristeza e sendo pai ainda mais o é. Não imagino o que é perder um filho”, aditou.

Além do mais, foi com a voz trémula e os olhos brilhantes, tamanha é a saudade, que Alexandre Camacho reconhece que no momento de fazer a festa faltou uma pessoa, o seu avô, o qual revela continuar a ser uma inspiração. “O meu avô é uma pessoa que nunca será esquecida e ainda me lembro dele no meu primeiro pódio no RVM. Tenho essa imagem completamente presente na minha cabeça. Portanto, vai ser sempre uma pessoa muito presente”, sorriu.

Crescer ao volante

Vitórias à parte, nesta completa entrega à arte de pilotar, os sacrifícios é que foram e continuam a ser muitos. “Nunca fui à minha viagem de finalistas por causa dos karts. E se quisesse correr, tinha de optar por ser mais comedido quer nas saídas... Portanto, houveram várias opções que tive de tomar, mas não me arrependo”, atestou Alexandre Camacho, realçando, no entanto, à Improvável que o rali lhe trouxe muito mais do que triunfos. Trouxe-lhe uma família, a começar com a sua equipa.

“Às vezes falamos de piloto e copiloto, mas existe uma equipa por detrás, maior do que duas pessoas. Somos uma família e quando ganhamos faço questão de dizer que ganhamos todos. Não ganha só o Alexandre e o Pedro, ganha uma equipa”, afiançou.

E mais. Foi também ao volante que o Alexandre afirma ter “crescido como homem”, pelo que hoje reconhece dever muito da sua personalidade à modalidade.

“O automobilismo educou-me numa certa parte da minha vida e hoje em dia noto que foi uma mais valia. Quando entro nas coisas, entro com um objetivo e só assim é que faço ralis. Não entro só por carolice, nem só para brincar. É sempre com um objetivo e só assim é que se montam projetos. Foi sempre dessa maneira que encarei as coisas e os resultados estão à vista. Nunca gosto de desiludir quem aposta em mim e, por isso, a minha dedicação é sempre a 100%”, frisou, sublinhando que aplica esta forma de enfrentar os desafios a tudo o que faz, inclusivamente no trabalho.

“A minha maneira de ser e de viver é esta: quero sempre fazer mais e melhor e deixar sempre marca”, adiu.

“Ela [filha] é a minha alegria. É vida e mudou a minha vida. Sempre quis ser pai desde cedo e fui quando tinha 31 anos. A partir daí foi sempre a querer mostrar e dar os bons exemplos para que ela cresça a respeitar os outros, com otimismo, com ambições e a querer fazer mais. Nesse aspeto, gosto que ela olhe para mim com orgulho e muitas das coisas que faço é nesse sentido”.

Ser um exemplo

Nesta batalha contra o cronómetro, certo é que Alexandre Camacho não tem estado sozinho, já que, para além da sua equipa, o apoio da família, desde os pais, à namorada e à filha Madalena, tem sido assíduo e incondicional. No entanto, com o fato vestido, as luvas apertadas e o capacete colocado, o foco e a vontade de vencer é o que move este automobilista no momento das provas, nas quais quem manda é unicamente a cabeça.

“Deixo muito a parte sentimental fora disto tudo. Nos dias de rali é para o rali e não deixo ou quero essas pessoas perto de mim. Quero no final e não durante. Crio um escudo à minha volta para que a parte sentimental não entre, porque não pode entrar. É assim que que me refugiu”, revelou, salvaguardando, no entanto, esperar que o seu percurso continue a orgulhar os que lhe são mais próximos, em especial a filha, de 11 anos, que, segundo o próprio, “fica muito feliz com os resultados do pai”.

“Tem piada, porque a minha filha não gostava de rali, mas agora gosta muito. Ela é a minha alegria. É vida e mudou a minha vida. Sempre quis ser pai desde cedo e fui quando tinha 31 anos. A partir daí foi sempre a querer mostrar e dar os bons exemplos para que ela cresça a respeitar os outros, com otimismo, com ambições e a querer fazer mais. Nesse aspeto, gosto que ela olhe para mim com orgulho e muitas das coisas que faço é nesse sentido”, afirmou Alexandre.

E continuou: “Também gosto que isto sirva de exemplo para ela, porque realmente não é só um desporto. É também a dedicação e toda a envolvência. É isso que quero passar. Gosto de ser um exemplo para a juventude”, aditou ainda, dando conta de que foi, por isso, que incentivou Madalena a entrar num desporto de competição, neste caso na ginástica rítmica, para que perceba que “não é só chegar e vencer”.

“Ela tem de se dedicar e trabalhar e aprender a perder. Porque ela olha para o pai e vê que o pai ganha sempre e pensa que é fácil, mas não é. Não cheguei e ganhei logo. Cheguei, ganhei, depois perdi, depois ganhei, depois perdi... É isto tudo que é importante passar”, sublinhou, garantindo que as derrotas na sua carreira foram momentos cruciais e necessários.

“São ensinamentos que temos de ter e temos de respeitar sempre os adversários e perceber principalmente porquê que perdemos. Ter este poder de análise e de crítica é fundamental”, certificou Alexandre.

Partilhar a experiência

É neste sentido que Alexandre Camacho gosta também de se associar a campanhas que transmitam mensagens importantes, sobretudo à juventude, como foi o caso da sua participação nas iniciativas para o uso da máscara contra a covid-19 e por um verão sem drogas, dando igualmente palestras nas escolas, procurando, assim, “marcar sempre pela positiva”, ao mostrar aos mais jovens que, com foco e dedicação, há tempo para o desporto e para a vida social. “O crescer preocupa-me, portanto, gosto de passar as melhores mensagens”, afiançou.

De igual modo, o automobilista observou não querer guardar apenas para si o que viveu e aprendeu nas centenas de vezes que serpenteou o asfalto, daí que também se dedique ao coaching de pilotos de vários ramos do automobilismo.

“Quero passar a minha experiência para outros, porque dá-me felicidade ver os ensinamentos que passei e vê-los a alcançar vitórias. Um deles era o Pedro Paixão, que eu gostava muito. Falava sempre com ele e até dizia que um dia lhe ia ensinar tudo, porque ele tinha tudo para ganhar já. Ele era um piloto nato. Tinha muito jeito para os ralis, só que lhe faltava um pouco de experiência e era essa experiência que eu gostava de lhe passar e de o apoiar. Cheguei a dizer-lhe isso. Achava que ele seria um dos principais adversários que eu ia ter e ele demonstrou isso nos últimos ralis que teve”, recordou Alexandre, que lamentou a falsa partida do amigo com quem partilhava sorrisos “por detrás do cronometro e fora das ‘especiais’”.

Uma vida de desafios

Já quando a cabeça não está no rali, é entre a preparação física, o seu trabalho enquanto diretor comercial de uma empresa tecnológica, os momentos com a família e amigos e a sua paixão pela ornitologia que Alexandre Camacho ocupa o seu tempo, embora reconheça que conciliar todos estes afazeres exige uma boa gestão de tempo.

“Vou treinar às seis da manhã. O dia começa bem cedo para que eu consiga fazer tudo o que quero e estar bem em todo o lado. Para a parte desportiva, quero treinar e estar bem fisicamente e depois tenho o meu trabalho como toda a gente. É uma vida profissional feita de desafios. Portanto, há que ter bem definidas as horas para fazer tudo e nada afetar nada”, notou o profissional, que diz considerar-se uma pessoa “bastante caseira”, embora não dispense o convívio com os amigos e as viagens pelo mundo, as quais, admite, ter umas quantas ainda por fazer.

Já quanto ao seu hobbie, a ornitologia, no âmbito da qual já se sagrou campeão nacional, participando em várias exposições que o levaram a diferentes pontos do mapa português, o também criador de canários revela que esta arte, como lhe chama, lhe ‘rouba’ no mínimo uma hora por dia.

Embora sem conseguir apontar bem onde nasceu este fascínio pelas aves, Alexandre relembra que desde pequeno que sempre nutriu um carinho especial pelo bem-estar animal.

“O meu avô tinha animais e eu gostava de estar sempre no meio deles. Aliás, eu sou engenheiro mecânico, mas até então não sabia se ia ser veterinário ou engenheiro mecânico. Duas coisas completamente diferentes, mas acabei por ir para a engenharia. Portanto, o gosto pelos animais foi uma coisa automática que se foi desenvolvendo”, contou.

E no que à estrada, embora seja arrojado no estilo de pilotar, ziguezagueando pelos troços madeirenses com a faca nos dentes, o piloto desvela ser particularmente cumpridor das regras do trânsito. “Sou se calhar das pessoas que mais cumprem as velocidades. Quando vou com a minha mulher, tenho de dizer-lhe para andar mais devagar. Não gosto de andar ao lado. Confesso que não é o meu forte. Gosto de ter as mãos no volante, mas sou um condutor muito normal”, afirma, soltando um sorriso.

“Nunca fecho a porta a nada”

Já de volta ao asfalto, Alexandre Camacho não deixa de olhar para o futuro com ambição. Por isso mesmo é que garante estar disposto a abraçar as oportunidades que surjam, incluindo o ainda sonho de voltar a competir a nível europeu.

“Nunca fecho a porta a nada, embora saiba que com a idade e com os anos a passarem existe cada vez mais dificuldades. Infelizmente, este é um desporto para o qual não é só preciso ter jeito. É preciso ter condições e um carro competitivo e para isso é preciso muito dinheiro. O sonho existe e vai sempre existir, mas com os pés no chão e sempre consciente que isso é muito difícil de acontecer”, reiterou.

Certo é que, olhando para os últimos 21 anos de carreira, o piloto assegura que o sentimento é, sem dúvida, de concretização. “Temos muitos pontos positivos e muitos ensinamentos. E há mais para fazer”, disse. “A sexta vitória no RVM?”, perguntou a Improvável. “Sim. É como digo, se me virem a fazer ralis nos próximos tempos será sempre com um objetivo e naturalmente que um deles será esse”, rematou.

Uma vida de desafios

Já quando a cabeça não está no rali, é entre a preparação física, o seu trabalho enquanto diretor comercial de uma empresa tecnológica, os momentos com a família e amigos e a sua paixão pela ornitologia que Alexandre Camacho ocupa o seu tempo, embora reconheça que conciliar todos estes afazeres exige uma boa gestão de tempo.

“Vou treinar às seis da manhã. O dia começa bem cedo para que eu consiga fazer tudo o que quero e estar bem em todo o lado. Para a parte desportiva, quero treinar e estar bem fisicamente e depois tenho o meu trabalho como toda a gente. É uma vida profissional feita de desafios. Portanto, há que ter bem definidas as horas para fazer tudo e nada afetar nada”, notou o profissional, que diz considerar-se uma pessoa “bastante caseira”, embora não dispense o convívio com os amigos e as viagens pelo mundo, as quais, admite, ter umas quantas ainda por fazer.

Já quanto ao seu hobbie, a ornitologia, no âmbito da qual já se sagrou campeão nacional, participando em várias exposições que o levaram a diferentes pontos do mapa português, o também criador de canários revela que esta arte, como lhe chama, lhe ‘rouba’ no mínimo uma hora por dia.

Embora sem conseguir apontar bem onde nasceu este fascínio pelas aves, Alexandre relembra que desde pequeno que sempre nutriu um carinho especial pelo bem-estar animal.

“O meu avô tinha animais e eu gostava de estar sempre no meio deles. Aliás, eu sou engenheiro mecânico, mas até então não sabia se ia ser veterinário ou engenheiro mecânico. Duas coisas completamente diferentes, mas acabei por ir para a engenharia. Portanto, o gosto pelos animais foi uma coisa automática que se foi desenvolvendo”, contou.

E no que à estrada, embora seja arrojado no estilo de pilotar, ziguezagueando pelos troços madeirenses com a faca nos dentes, o piloto desvela ser particularmente cumpridor das regras do trânsito. “Sou se calhar das pessoas que mais cumprem as velocidades. Quando vou com a minha mulher, tenho de dizer-lhe para andar mais devagar. Não gosto de andar ao lado. Confesso que não é o meu forte. Gosto de ter as mãos no volante, mas sou um condutor muito normal”, afirma, soltando um sorriso.

“Nunca fecho a porta a nada”

Já de volta ao asfalto, Alexandre Camacho não deixa de olhar para o futuro com ambição. Por isso mesmo é que garante estar disposto a abraçar as oportunidades que surjam, incluindo o ainda sonho de voltar a competir a nível europeu.

“Nunca fecho a porta a nada, embora saiba que com a idade e com os anos a passarem existe cada vez mais dificuldades. Infelizmente, este é um desporto para o qual não é só preciso ter jeito. É preciso ter condições e um carro competitivo e para isso é preciso muito dinheiro. O sonho existe e vai sempre existir, mas com os pés no chão e sempre consciente que isso é muito difícil de acontecer”, reiterou.

Certo é que, olhando para os últimos 21 anos de carreira, o piloto assegura que o sentimento é, sem dúvida, de concretização. “Temos muitos pontos positivos e muitos ensinamentos. E há mais para fazer”, disse. “A sexta vitória no RVM?”, perguntou a Improvável. “Sim. É como digo, se me virem a fazer ralis nos próximos tempos será sempre com um objetivo e naturalmente que um deles será esse”, rematou.

  • Alexandre Camacho: da certeza do destino ao exemplo fora da estrada
“O automobilismo educou-me numa certa parte da minha vida e hoje em dia noto que foi uma mais valia. Quando entro nas coisas, entro com um objetivo e só assim é que faço ralis”.